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Discurso sobre a Revolução, de Alexandre Soljenitsyne em Lucs-sur-Boulogne (1993)

A Revolução, infelicidade dos povos

terça-feira 1 de Junho de 2010, por António, MabBlavet

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Já em 1978 o grande historiador francês escrevia: “a obra de Soljenitzine veio colocar a questão do Goulag no mais profundo do desígnio revolucionário; é inevitável que o exemplo russo venha afectar por ricochete a sua “origem francesa” (….) Hoje o Goulag leva-nos a repensar o Terror, devido à identidade do projecto. As duas revoluções continuam ligadas.”* Foi por isso com toda a naturalidade que em 1993 Soljenitzyne presidiu à inauguração do Memorial da Vendeia, no local do “Oradour-sur-Glane” jacobino, para aí relembrar a filiação directa dos totalitarismos do século XX com a I República genocida.

* François Furet; Pensar a Revolução, Gallimard, Folio-Histoire, 1978, pag. 29.

Introdução de Vive le Roy

Discurso proferido por Alexandre Soljenitzyne, prémio Nobel da literatura (1970) em Lucs-sur-Boulogne, a 25 de Setembro de 1993, durante a inauguração do Memorial da Vendeia.

Aviso: Os títulos foram acrescentados pela redação de “VLR” para facilitar a leitura online.

Camponeses contra a revolução

Senhor presidente do Conselho geral da Vendeia, caros vendeienses,

Há setenta e cinco anos quando eu era criança já lia com admiração as descrições que evocavam a revolta corajosa e desesperada da Vendeia. Mas eu nunca pude imaginar, nem sequer em sonho, que na minha velhice eu viria a ter a honra de inaugurar o monumento em honra dos heróis das vítimas desta revolta.

Vinte decénios se passaram: diferentes decénios segundo diferentes países. E não somente em França, mas também em muitos outros países, a revolta da Vendeia e a sua repressão pelo sangue, têm recebido de novas leituras constantemente renovadas. Porque os acontecimentos históricos nunca são compreendidos no fogo da acção, mas sim à distância, com o arrefecer das emoções que o tempo traz.
Durante muito tempo recusou-se entender e compreender o grito daqueles que sucumbiam, que eram queimados vivos, camponeses de uma terra laboriosa e para os quais a revolução parecia ter sido feita e que esta mesma revolução oprimiu e humilhou ao extremo. Estes camponeses revoltaram-se contra a Revolução.

É que as revoluções desencadeiam no homem, os instintos mais bárbaros, as forças obscuras da inveja, da rapina e do ódio, algo que os contemporâneos já sabiam muito bem. Eles pagaram um pesado tributo à psicose geral quando o facto de se comportar como um moderado – ou o simples facto de o parecer – já era considerado um crime.

A Revolução é infelicidade dos povos

Foi no século XX que a revolução perdeu muito do seu brilho aos olhos da humanidade, a auréola romântica que a envolvia no século XVIII. Com o passar do tempo os homens acabaram por se convencer à custa da sua própria infelicidade,
 que as revoluções destroem o carácter orgânico da sociedade, o curso natural da vida,
 elas aniquilam os melhores elementos da sociedade, permitindo a ascensão dos piores.

Nenhuma revolução enriquece um país, mas apenas alguns espertalhões sem escrúpulos e são motivo de muitas mortes, de uma pauperização generalizada e, nos piores casos, de uma degradação profunda da população.

O próprio termo revolução, do latim revolvere, significa andar para trás, retroceder, voltar a passar por, reacender. No melhor dos casos, a inversão de todos os valores da sociedade. Enfim toda uma série de sentidos pouco invejáveis. Actualmente se se associa o epíteto de “grande” ao termo revolução, isso é feito com alguma reserva e com muita amargura.

A utopia revolucionária mantém-se indiferente aos ensinamentos do passado

A partir de agora nós compreendemos cada vez melhor que o objectivo social desejado pode ser obtido por meio de um desenvolvimento evolutivo normal, com muito menos estragos, sem selvajaria generalizada. É preciso saber melhorar pacientemente aquilo que nos é dado no dia-a-dia.

Seria utópico pensar que a revolução poderia regenerar a natureza humana. É aquilo que a vossa revolução, e mais particularmente a nossa, a revolução russa, tanto esperavam.

A revolução francesa decorreu ao som de um slogan intrinsecamente contraditório e irrealizável: liberdade, igualdade, fraternidade.
Mas em sociedade, a liberdade e a igualdade, excluem-se mutuamente, são antagónicas uma da outra!
 A liberdade destrói a igualdade social – essa é mesmo uma das funções da liberdade -, ao passo que
 a igualdade restringe a liberdade, porque senão já não seria liberdade.
 Quanto à fraternidade, ela não faz parte da família. Ela não passa de um ousado acrescento ao slogan, tanto mais que a fraternidade não se pode obter por decreto. Ela é de ordem espiritual.

Ainda por cima a este slogan triplo, acrescentava-se num tom intimidativo: “ou a morte” o que que lhe retira todo o sentido.

A país algum eu poderia desejar a grande revolução. Se a revolução do século XVIII não acarretou a ruína da França foi porque houve o Termidor.

A revolução russa, por seu lado, não teve um Termidor que lhe pusesse termo. Ela arrastou o nosso povo até ao fim, té ao abismo da perdição. Lamento que não estejam aqui entre nós pessoas para nos contar aquilo que aprenderam com a sua própria experiência, desde a China, ao Cambodja, ao Vietname, e nos dizerem o preço que pagaram pela revolução.

A experiência da Revolução francesa só por si deveria ter chegado para que os racionalistas organizadores da felicidade do povo tivessem aprendido a lição. Mas não!

Os vendeienses da Rússia

Na Rússia tudo correu pior e a uma escala incomensuravelmente superior. Muitos dos métodos cruéis da Revolução francesa foram aplicados na Rússia pelos comunistas leninistas e pelos socialistas internacionalistas. A única diferença com os Jacobinos foi a forma sistemática como os primeiros os aplicaram.

Nós não tivemos Thermidor, mas — e disso podemos orgulhar-nos — nós tivemos a nossa Vendeia. E mesmo mais do que uma.
 Foram as grandes revoltas camponesas em 1920-21. Eu evocarei apenas um episódio bem conhecido: estes grupos de camponeses armados apenas com paus e forquilhas, que marcharam sobre Tanbow, ao som dos sinos das igrejas da região, e que foram varridos pelas metralhadoras. A revolta de Tanbow durou onze meses, apesar de os comunistas para a reprimirem terem usado tanques de guerra, comboios blindados, aviões, tenham feito reféns as famílias dos revoltosos e quase tenham utilizado gases tóxicos.
 Nós também conhecemos uma feroz resistência ao bolchevismo no seio dos Cossacos dos Urais, do Don, esmagados num mar de sangue. Um verdadeiro genocídio.

Revolução nunca mais!

Ao inaugurar aqui hoje o memorial da vossa heróica Vendeia, eu penso igualmente na minha terra. Penso em todos os monumentos que serão um dia erigidos na Rússia, testemunhas da resistência às hordas comunistas. Nós atravessámos juntos o século XX. Do princípio ao fim um século de terror, tenebroso corolário deste progresso com o qual tanto se tinha sonhado no século XVIII. Hoje são cada vez mais numerosos os franceses que compreendem e que guardam com orgulho a memória da resistência e do sacrifício da Vendeia.

Alexandre SOLJENITSYNE